*Artigo produzido por Ashjan Sadique Adi
Graduada em Psicologia, mestre em Educação, doutoranda em Psicologia Social pela USP e diretora da FEPAL - Federação Árabe-Palestina do Brasil.
Gostaríamos de iniciar este artigo afirmando, desde já, que a Questão Palestina não se trata de um conflito, termo erroneamente muito utilizado. A Questão Palestina trata-se de um regime de colonização, ocupação e apartheid. Explico os três fenômenos brevemente.
Um regime de colonização, pois trata-se de uma dominação política, territorial, bélica, militar e administrativa da Palestina Histórica. Ocupação, pois corresponde a uma apropriação ilegal de terras do território Palestino por parte da potência ocupante de Israel. E um apartheid devido às políticas de isolamento, segregação e imposição de uma categoria de segunda classe a cidadãos que não são judeus e/ou israelenses.
De todo modo, há muito o que se falar a respeito da Palestina, mas para o escopo do presente artigo, faremos uma breve introdução histórica para demonstrar que a Questão Palestina e seus efeitos, até os dias de hoje, iniciaram precisamente em 1897. Ou seja, há exatos 124 anos, quando em 31 de agosto de 1897, Theodor Herzl, líder do movimento sionista (movimento nacionalista de judeus, que reivindica um estado exclusivamente judaico), organizou o 1° Congresso Sionista na Basileia, Suíça. Seu objetivo foi a escolha de um Lar Nacional Judaico, sendo as possibilidades territoriais cogitadas a Patagônia na Argentina, Uganda e Madagascar na África e a Palestina no Oriente Médio, sendo esta última a selecionada como já sabemos.
E a decisão pela Palestina Histórica para este lar se deu por várias razões políticas e territoriais implicadas, assim como por uma instrumentalização política da religião e do discurso bíblico, especificamente. A I° Guerra Mundial com a vitória dos países europeus e a derrota definitiva do império turco-otomano desestabilizou o Oriente Médio e seus territórios. A instabilidade geopolítica na região poderia deflagrar uma outra guerra. Neste processo, era interessante aos países vencedores ter um país com base militar que controlasse os territórios árabes de alguma forma. E a escolha da Palestina enquanto lar nacional judaico seria muito pertinente para processo. E Israel seria importante militarmente, geopoliticamente, ou seja, seria o braço armado do Ocidente no Oriente.
De todo modo, o povo palestino já estava na Palestina há pelo menos 10.000 anos como nos comprova a cidade de Jericó, definida como a cidade mais antiga do mundo, desmentindo a segunda parte do slogan sionista “uma terra sem povo, para um povo sem terra”. Israel enquanto estado existe na Palestina há tão somente 73 anos (1948) contra a existência milenar do povo palestino.
Sendo assim, juntaram-se uma necessidade militar e geopolítica de controle do Oriente Médio, a necessidade de uma terra para um povo disperso, uma região sem grandes barreiras geográficas, e para fechar, um discurso bíblico que, a depender das interpretações e descontextualizações, legitima a presença do estado israelense na Palestina, mesmo que a violência e todas as atrocidades cometidas por este se mostrem flagrantemente contraditórias com as mensagens genuinamente bíblicas e de seu grande representante Jesus Cristo, por sinal, um palestino nascido em Belém.
Considerando este encadeamento histórico, 20 anos após o congresso, em novembro de 1917, é escrita a Declaração Balfour, pelo secretário britânico de Assuntos Estrangeiros, Arthur James Balfour, dirigida ao Barão Rothschild, líder da comunidade judaica do Reino Unido, anunciando à intenção do governo britânico de facilitar o estabelecimento do Lar Nacional Judaico na Palestina, ou seja, de colonizar a Palestina a benefício dos judeus, caso a Inglaterra derrotasse o Império Otomano, que então, dominava a região.
Cinco anos depois, em 1922, a Liga das Nações (atual ONU) aprovou o Mandato Britânico da Palestina, que responsabilizou-se por colocar em prática a Declaração Balfour, como forma de redimir o povo judeu do Holocausto, a despeito de um outro povo, que não teve responsabilidade alguma sobre o Holocausto nazista. Ou seja, a Questão Palestina vigora há pelo menos 124 anos, desde o 1° Congresso Sionista.
A Palestina Histórica é uma pequena faixa de terra com aproximadamente 28.000 km quadrados, um pouco maior que o estado do Sergipe, que é o menor estado brasileiro. E encontra-se literalmente atravessada por um muro e seu apartheid, conhecido como o Muro da Vergonha com uma extensão aproximada de 760 km e 8 metros de altura, em que para sua construção os israelenses não respeitam os territórios palestinos e invadem vilarejos, destroem casas, escolas, plantações, isolando cerca de 450.000 seres humanos, isso quando não separa membros de suas famílias e crianças de suas escolas.
Mesmo que sua existência seja contestada nos aspectos políticos, humanitários e legais tanto pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia quanto pela Corte Internacional que o declaram ilegal desde 2004, a construção deste muro infame prossegue até os dias de hoje, como prosseguem as violências e violações sionistas desde 1948 com a autoproclamação do estado israelense, que de forma impositiva não contou com a participação da população nativa nesta decisão. Decisão que deliberou no papel, mas não na prática, 42,9% do território para a Palestina, 53,5% do território para Israel, e 0,6% correspondente a Jerusalém sob responsabilidade Internacional. Uma autoproclamação que ficou com as terras mais férteis, expulsou 800.000 palestinos, matou milhares e destruiu cerca de 500 vilarejos com a intenção de não deixar vestígios arqueológicos de vida naqueles espaços, sobre os escombros de um deles construiu-se o aeroporto Ben Gurion de Tel Aviv.
Isso demonstra que o movimento sionista é um movimento político, sem relações com argumentos bíblicos, a não ser a instrumentalização política destes a capturar os mais incautos. Ademais, apesar de sua importância no âmbito religioso e espiritual, a bíblia não é uma obra em que se baseie o Direito Internacional. Os hebreus da bíblia não são os judeus do presente e tudo isso precisa ser contextualizado para se debater e entender a Questão Palestina e não cairmos em deturpações da História que ajudam a promover o silenciamento do genocídio de um povo.
O atual cenário da Palestina com a ocupação sionista perdeu sua beleza anterior a 1948 quando se via aeroportos, fábricas, teatros, lindas praças, todo um contexto de riquezas sistematicamente destruído a despeito da resistência e força do povo originário.
Portanto, a Questão Palestina trata-se de uma causa internacional. Apoiar a luta Palestina é uma responsabilidade de cada um de nós, é uma questão de humanidade e de solidariedade internacional, com a finalidade de pressão mundial para que Israel respeite as leis internacionais, a Convenção de Genebra, a Declaração Universal de Direitos Humanos e cumpra as centenas de resoluções da ONU por ele desrespeitadas. Por uma Palestina Livre, Soberana e Autodeterminada!
*Ashjan Sadique Adi, convidada externa à CDI em maio/2021, é graduada em Psicologia, mestra em Educação, doutoranda em Psicologia Social pela USP, membra da ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social, membra do GRACIAS - Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes e diretora da FEPAL - Federação Árabe-Palestina do Brasil.
O quadro “Opinião do(a) Convidado(a)” tem o intuito de fomentar o debate sobre questões internacionais, contudo, em nenhum momento reflete um posicionamento da instituição. Frisa-se que a CDI-IAB é uma entidade sem fins lucrativos, laica e não ligada a partidos políticos que possui, como propósito, difundir o conhecimento sobre o Direito Internacional e Relações Internacionais, em todas as suas vertentes. Desse modo, visa a ser um espaço privilegiado para abrir debates e analisar, de maneira crítica, a atualidade internacional.
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